sábado, 21 de setembro de 2013

Solidão

Um destes dias acabei de trabalhar por volta das 23h00. Saí e em vez de fazer o caminho mais curto para casa, dei uma pequena volta pela baixa da cidade, a pé.
Em meia hora pude observar melhor algo que sempre tive presente como um mal maior: a solidão.
Desde a entrada da cidade, passando pela Rua da República até ao Jardim, cruzei-me com uma dezena de pessoas. A espaços, reparei que os seus olhos, a postura física, pouca vida tinham.

Parei num café na Praça 8 de Maio. Sentei-me e pedi algo. A meu lado, um homem e uma mulher ocupavam duas mesas. Nem um nem outro se faziam sentir. Estavam apenas, não eram.
Olhavam em redor na tentativa de fazer acelerar os ponteiros do relógio. Esperança vã.
Cinco minutos mais tarde, alguém passou e lançou um «boa noite» ao senhor do meu lado esquerdo. Foi o suficiente para que levantasse a cabeça e se sentasse melhor na cadeira. Percebi que precisava de algo. Que precisava de ajuda. Que aguardava algo. Mas nada.
A conversa não apareceu. Ele ansiava por um pouco de algo que lhe minimizasse a dor de não ter com quem falar. Que reduzisse a solidão. Pediu-me um cigarro.

A senhora à minha frente levantou-se e foi buscar mais um café. Era o terceiro em meia hora. Não vi um único movimento naquele rosto que me desse a entender se estaria cansada, triste ou simplesmente magoada. Vi apenas mais um vazio de alma. Como que se naquela noite a vida fosse apenas um contar de horas que se estendem em dias e semanas que não agarram uma confiança de um dia melhor.

Levantei-me e fui andar um pouco. Outros rostos cruzaram-se com o meu e em todos, àquela hora, perto da meia noite, apenas um grande nada.

Olhei para a zona da beira rio e vi dois casais a passear, de mão dada. Um conversava, o outro apenas se agarrava. À distância, não percebi o que diziam, mas diziam algo. Tinham com quem falar. Ou pelo menos, uma forma de sentir uma vida a tocar-lhes. Uma mão, um carinho, um abraço, um calor. Estavam felizes.

Perto de mim, do outro lado da estrada, tudo era diferente. Apenas uma senhora já com alguma idade conversava com o seu cãozinho. Chamava-lhe bebé…

Julgo que sempre estive atento à solidão. Mas hoje, talvez fruto da idade e da vivência, percebo quando me dizem que a vida pouco é. Mesmo quando damos a conhecer o que de bom a vida tem, o que de belo tem, os lados mais positivos, nada prevalece num corpo que se recusa a deixar entrar a luz. Num corpo vedado com e pelas amarguras da vida.

Não é uma questão de escolha, ao contrário do que se diz. É tudo uma questão de vida. Ou falta dela.

Curioso é que alguns dos que com quem me cruzei vi-os à tarde. Nem pareciam as mesmas pessoas. Antes, riam, conversavam. Depois, apenas estavam.

Escondem a solidão, o isolamento, com uma máscara que por vezes tudo e todos engana. Arranjam-se artimanhas e esquemas para que o dia passe de forma o menos desagradável possível. Escudam-se em posturas e atitudes que à noite completamente caem por terra.
É triste, muito triste mesmo.

E percebi, uma vez mais, o quanto a solidão pode ser devastadora.
O quanto o silêncio pode ferir profundamente, deixando marcas e cicatrizes que nunca irão fechar.

Desejei que tudo fosse diferente com aquela (in)certeza que temos quando rezamos ou oramos a alguém e não sabemos se nos ouvem. Mas fazemo-lo na mesma, na esperança de que afinal alguém nos escuta.

E não percebemos como ali se chegou. Como aqueles rostos conseguem viver os seus dias nesta amargura que soma dor todos os dias.

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